quarta-feira, 27 de junho de 2018

"Porque o amor pode estar do seu lado..."

     Hoje entrei na van indo pro trabalho naquele desespero de sempre - atrasada, desesperada e dando bom dia sem olhar a quem.
     Como acontece quase todos os dias, não tinha lugar pra sentar e segui a viagem em pé. Eu detesto quando isso acontece, mas...
      Normalmente eu já entro na van de fone alto de propósito pra não escutar os assuntos, que na maioria das vezes não me interessa, mas hoje não deu tempo. Entrei sem o fone, em pé na van lotada e de mau humor, aquele matinal de praxe. Até que olhei pro lado...

     Eu queria, antes de continuar a história, fazer uma observação sobre olhar pros lados. Muitas vezes eu já vivi muitas situações que passariam despercebidas se eu não tivesse parado e prestado atenção no entorno. E isso envolve experiências boas e ruins.
     Já vi casais começando, relacionamentos terminando pelo whatsapp (sim, eu presto atenção na conversa das pessoas que sentam do meu lado no ônibus; desculpa, mas eu faço), já vi um homem sendo assassinado e eu vi quem foi que matou, embora eu tenha quase certeza até hoje de que muita gente não sabe que foi ele. E espero, em Deus, que eu esteja enganada e que aquele homem esteja preso.

     Enfim, meus amigos, olhem pros lados.

     O mundo acontece ao nosso redor e a gente precisa prestar atenção. Depois que celular passou a ter internet, câmera e tudo mais, a gente só anda enfiado com a cabeça olhando pra baixo e esquece que tem vida bem do nosso lado. A realidade das ruas é muito mais real do que a do Instagram. Acreditem em mim, eu não mentiria pra você. Não aqui, não nesse texto.

     Observações feitas, continuemos a história.

     Olhando pro lado, encontrei um casal sentado nos últimos bancos da van, lá no fundo. Ela tinha mais ou menos (na minha cabeça, né?) uns 65 anos e ele uns 68, sei lá. Eu não sei se os dois compartilharam toda uma vida ou se estão juntos a pouco tempo. Eu não sei nada sobre eles, apenas o que venho vos contar aqui.
     Os dois estavam de braços dados. Ela toda sentada na postura, empinada, com as unhas feitas, os cabelos arrumados num coque desorganizado de propósito, um batom meio vinho, porém discreto e a bolsa no colo. Ele estava levemente inclinado pro lado dela, de regata, bermuda jeans, chinelo, o pouco cabelo não tinha visto pente com certeza.

     Ela falava, muito. Falou, falou e falou. Sobre uma neta, sobre uma mulher (que eu acho que era uma amiga mais jovem dela) que tinha 35 anos, dois filhos e uma loja de banho e tosa. O ex marido dava R$450,00 de pensão pros dois filhos enquanto a mulher se matava de trabalhar pra sustentar as crianças que, segundo ela, comiam bem, bebiam bem e precisavam se vestir.

     - Injusto gente! Traste! Quem vive hoje com R$450,00? Ainda mais com duas crianças!

     Depois ela falou sobre uma outra mulher (que eu também acho que é amiga) que estava trabalhando numa casa de família onde todos os dias precisava ter suco de frutas naturais e queijos na mesa.

     Nesse momento eu me desliguei um pouco da conversa pra pensar sobre isso. Como que pode realidades tão diferentes, meu Deus? E nesse caso eu nem sei, honestamente, se é um problema cultural, social ou de falta de informação. Por que é motivo de espanto suco de frutas naturais e queijo? Fica a reflexão. Talvez um dia eu escreva sobre isso. Talvez.

     Depois de terminar esse assunto ela comentou que hoje teria jogo do Brasil e que isso prejudicaria os seus afazeres.

     - Temos que fazer tudo bem rápido, porque uma hora eu tenho certeza que fecha tudo!

     Enquanto ela falava sobre todas essas coisas e mais algumas que eu não consegui prestar atenção, ele ouvia. Aquele homem ouvia a tudo. Enquanto ela tagarelava e concluía sozinha seus raciocínios, ele olhava pra ela e apenas escutava. Às vezes ele balançava levemente a cabeça em concordância, outras vezes franzia o cenho, talvez em desacordo.

     Até que, em determinado momento da conversa, ela olhou pra ele com tanto afeto, começou a fazer aquela vozinha de criança dizendo "mas você é o amor da minha vida! Você é meu sorriso, minha coisa gostosa de viver" e aquele homem que só ouvia, sorriu com a boca, com os olhos, com as mãos. E eles se olharam de um jeito que há muito tempo eu não vejo ninguém se olhar. Sério. E tocaram no rosto um do outro enquanto se olhavam. Ele balbuciou alguma coisa bem perto dela, ela sorriu em retribuição e eu não consegui mais prestar atenção neles dois porque meu telefone tocou e foi uma péssima hora pra tocar, porque eu ficaria olhando pros dois até agora, se pudesse.

     Bom, é isso e é sobre isso. Uma mulher sendo mulher, falando pelos cotovelos coisas importantes pra ela. Um homem ouvindo, calado, mas não menos interessado. Uma manifestação de afeto, uma retribuição. O amor. É sobre o amor. E sobre olhar pros lados e ouvir.


                                                                                  Nana.










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