quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

2017 / 2018

“Vou terminar o ano sozinho. Incrivelmente sozinho. Estupidamente sozinho. Corajosamente sozinho. Resilientemente sozinho. Por escolha própria e bastante segura, sozinho. Por incrível que pareça, sozinho. E é um brinde a todos os sozinhos que escrevo este texto. Àqueles que querem, sim, ter alguém com quem dividir a cama, os sentimentos, as sensações, a parte do dia, a gastrite atacada, a política do pais, as frustrações, perdas e danos. Àqueles que, sim, obviamente sonham com a pessoa-ideal que dará match em todos os sentidos e que compartilhará a rotina, o desejo de permanecer ali, a vontade de querer estar junto. Àqueles que, pasmem, se sentem carentes, muitas vezes solitários e à margem de qualquer relação romântica, talvez por insegurança, medo ou trauma.

Dedico este texto aos sozinhos que sabem que são sozinhos. Que entendem seu lugar no mundo porque fizeram dele um espaço para se esconderem. Aos que, por vontade própria ou não, passaram por esse ano criando seu próprio caminho de reconstrução, de amor a si mesmo, de aprendizados e certezas incertas. Ser sozinho não é tarefa fácil. Às vezes a gente quer ter com quem estalar o peito, rir das piadas mais inconsistentes possíveis, ver Netflix agarradinho, observar o outro dormir e agradecer por poder partilhar a existência. Ser sozinho é uma tarefa que requer pulso firme. Pra aguentar a carência. O desamparo. O desabrigo. É claro que os amigos existem e estão ai pra nos provar que é possível viver sem um amor, mas convenhamos: é que um carinho às vezes cai bem. E cai melhor ainda quando o carinho é mútuo, porque aí o coração aumenta de tamanho e ambos passam a experimentar o gosto que é estar, literal e metaforicamente, juntos.

Mas este texto é para os sozinhos como eu. Os que decidiram começar um longo caminho de redescoberta com o amor. Que não colocaram a responsabilidade de pertencer a alguém acima da responsabilidade, imensa, de pertencer a si próprio. Que chegaram até aqui morosos, mas não menos importantes na principal, melhor e maior aquisição sentimental a que nós estamos submetidos: quando a gente entende que somos tão suficientes, que o outro só virá pra ser similarmente suficiente. Conosco. Quando o outro vem visitar nosso corpo e ele fica encantado com a disposição dos móveis, a maneira organizada e sutil com a qual organizamos os cômodos, a maneira ímpar que tratamos nosso chão. É uma boa relação só quando quem vem entende que a casa já tem dono. Que a casa já foi construída (com esforço e muito suor) e está pronta para receber pessoas novas; que queiram ficar.

Confesso que a minha casa não tá pronta ainda. Acho que vai demorar até que eu consiga erguer muros sólidos, levantar uma estrutura capaz de fincar na terra, reorganizar tudo que está fora do lugar. Acho que é por esta razão que muita gente anda perdida nas relações, às vezes infeliz. A casa não tá pronta. Tá bagunçada. Não tá funcionando. E se não está apta para receber nem seu próprio dono, que dirá outra pessoa.

Então este texto vai pra todos que, assim como eu, tiraram o ano pra revisitar suas casas. Nesse processo doloroso e solitário que é a construção de um corpo leal, honesto e com saúde. Nesse processo sofrido e espinhento que é tentar entender por que a-grande-pessoa ainda não veio. Nesse árduo caminho de assimilar que estar sozinho significa que estruturas internas estão sendo remodeladas.

Este texto é um recado: tá tudo bem se você terminar mais esse ano sozinho, sem ninguém. Por vontade própria ou não. Por sorte ou azar. Por uma opção sua ou do universo. Você está exatamente onde deveria estar e esse texto é um brinde a nós.

E uma última coisa: a pessoa mais importante, sempre, nesse processo todo já chegou e está aqui. Esse alguém é você.”

Textos cruéis demais para serem lidos rapidamente

quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Drama

   As grandes tragédias não podem ser evitadas.
   Quando uma chuva forte chega, por mais que tenha havido eficaz previsão, alguém sempre sofre seus danos. Alguém sempre sai molhado, a tempestade não passa desapercebida.
    Quando um grande vulcão acorda, não há como evitar o derramar de suas quentes lavas. Não tem jeito, há de queimar.
     Ou então quando anunciada a vinda de um forte furacão, um tornado bem nervoso, tentamos nos proteger, compramos mantimentos, nos abrigamos, mas o furacão há de passar. Não tem jeito. Ele sempre há de carregar alguma coisa.
      A gente prevê, sente, as vezes até enxerga, mas não temos como evitar, não temos como parar ou pausar ou qualquer outra coisa, a tragédia chega e vem derrubando tudo. Vem nos tirando do nosso lugar de conforto, do quentinho, do macio, do gostoso. 
       E como toda grande tragédia ela vem carregando perdas, choro, dor. Muita dor.
       E toda dor, precisa ser sentida. Então vamos lá, sintamos a dor da tragédia já que outro jeito não há.
       Quando alguém morre, alguém querido, alguém que amamos, fica aquele vazio no peito, bem como quando sobrevém uma tragédia. Seria a morte mais uma delas? E quem interpela a Deus sobre seus motivos?
       É só dor, choro, muita dor.
  
                                                      Nana 

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Ciência

Noutro dia nessa vida
Sentada, pensava na lida
Se foi bem ou mal vivida
Eu não sei

Se hoje tô satisfeita
Se sou torta ou moça direita
Se tô numa estrada larga ou estreita
Eu não sei

Não olho pra trás com desdém
Mas pra frente não olho também
Se sou do mal ou do bem
Eu não sei

Se vou ter filho ou nenhum
Se na terra serei só mais um um
Se sou extraordinário ou comum
Eu não sei

Eu digo o que sei e o que penso
Se faz parte de um consenso
Se agrado ou só passo tempo
Eu não sei

Eu prezo sempre a verdade
E fujo de vaidade
Mas se o mundo vê nisso bondade
Eu não sei

Eu queria o mundo abraçar
Ter de tudo e de tudo ter pra dar
Mas se a vida vai possibilitar
Eu não sei

E se isso me fará mais plena, feliz
Ou se vou terminar como eterna aprendiz
Se vc entende o que minha poesia diz
Eu não sei.

Não sei.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

Cuide da sua varanda!

Durante um ano eu morei no primeiro andar de um prédio com três. Na parte de trás do apartamento, tinha uma área pequena onde ficava minha máquina de lavar, um tanque e o botijão de gás. Um Pequeno, mas ajeitado.
Acima de mim, os outros dois apartamentos que tinham mais quartos e eram maiores. Ou seja, os dois apartamentos, de um quarto, do primeiro andar equivalem a um apartamento do segundo e terceiro andar, com dois quartos.
O dono dos apartamentos e construtor do prédio, um senhor muito caprichoso , pensou em detalhes o projeto pra que todos os apartamentos , mesmo os menores, tivessem espaço pra tudo.

No apartamento do segundo andar morava uma família: pai, mãe e dois filhos; uma menina que devia ter seus nove anos, e um menino adolescente que, acredito eu, beirava os dezessete. No terceiro andar morava um casal de senhores. Eu quase não os via e a última notícia que tive deles não foi muito agradável, por isso, nesse texto, resolvi focar no povo do 201.
Eles eram muito barulhentos, muito!! A menina corria pela casa e eu podia, perfeitamente, ouvir em que cômodo ela estava só com as passadas fortes sobre a minha cabeça. Fora isso, todo dia  quebravam-se coisas. Eu imagino que aquela mulher devia ter uma cristaleira imensa ou algo do tipo, tamanha a quantidade de vidro que quebrava. O menino parecia um santo; quando os pais estavam em casa. Mas quando saíam... eu já pensei em chamar a polícia algumas vezes por causa dele. Mas pra evitar a fadiga e confusão, deixava pra lá até que eles voltassem e tudo retornasse ao seu estado "normal". Mas, senhores, acreditem, nada disso me incomodava muito. Não tanto quanto um fato muito importante. TUDO caía da casa deles na minha varanda, área, seja lá como quiser chamar. Eu vou chamar de varanda, mas você já entendeu. Enfim, eu encontrava cabelo, pente, papel de bala, copo de plástico: tudo!
Um dia eu estava vendo televisão e um barulho muito forte e alto veio de lá dá parte de trás. Eu corri,com medo, mas fui ver o que estava acontecendo. Uma garrafa de baygon, atirada lá de cima, caiu em cheio acertando o botijão de gás. Mas foi um barulho, um susto, um ódio!
Eu fiquei quieta por muito tempo . Até frasco de exame de urina (ninguém tira da minha cabeça que era isso) já caiu de lá pra baixo. Depois disso eu comecei a gritar que estava insatisfeita pra ver se eles se mancavam e tomavam mais cuidado, mas não. Continuava a mesma coisa.

Numa noite estava cozinhando e escutei um barulho de água corrente descendo na área. Zero chance de chuva, senhores. Abri a porta da área e encontrei muita água e flores, muitas. Eu nem pensei. Subi as escadas a ponto de explodir. Bati na porta e a menina atendeu com os dois olhos esbugalhados. Perguntei pela mãe dela e ela disse que estava sozinha em casa.

"Tia, desculpa. É que eu estava fazendo trabalho de casa de artes e o baldinho virou lá pra baixo, não vai acontecer mais..."

Morri de pena, fiquei com vontade de chorar. Disse pra ela tomar mais cuidado e desci, limpei e esperei a próxima. Fazer o que.

Depois disso, passaram umas três, quatro  semanas e eu comecei a perceber que o prédio estava um silêncio, uma paz. Minha área (eu falei que chamaria de varanda né? Eu sendo eu) estava sempre limpa. Pensei: educaram-se! E segui a vida.
Um dia falei com a proprietária que estava com vontade de me mudar pra um apartamento maior e ela sugeriu que eu escolhesse um dos apartamentos de cima, já que estavam todos vazios. Sim, senhores; eu estava morando sozinha no prédio e não percebi.
Com medo de continuar sofrendo com bateções na cabeça, eu escolhi o 301.
Uma semana depois da minha mudança uma outra família começou a morar no  201.

Na primeira semana morando no 301 eu deixei cair lá embaixo: um chinelo, duas garrafas de Pinho, um balde, um vaso de plantas...

No ano novo eu deixei cair um vaso lá embaixo e, como Murphy é muito meu amigo, o vaso bateu na torneira que liga o tanque e começou a descer muita água. Fui na casa da dona do apartamento pra ela abrir a porta e fechar a torneira, mas já tava lá Murphy de novo e ela tinha viajado. Pensei, pensei. Fiz uma corda com meus cintos, pensei em descer escalando, mas a chance de morte era muito grande. Calculando bem, do 201 dava pra pular, mas quem disse que eles estavam em casa? Esperei, meus amigos. Até que às dez eles chegaram.
Bati lá com muita vergonha, expliquei. Ele pulou, fechou e eu fui pra casa.
Pedi perdão a Deus e mentalmente pedi que os antigos vizinhos do 201 também me perdoassem. Eu estava sendo uma vizinha muito pior que eles. Muito pior!
A gente nunca sabe quando vai estar no lugar do outro. Eu nunca pensei que um dia estaria no lugar da família do 201. Mas estou e não tô fazendo diferente. Hoje entendo porque caíam coisas. Eu tento evitar, mas nem sempre dá. E com isso fica a lição, meus caros. Cuidem de suas varandas. E sejam pacientes com as varandas dos outros. Nem sempre o outro quer derrubar coisas na sua cabeça. É difícil ter esse entendimento e paciência, mas hoje é tudo que eu peço que a vizinhança de baixo tenha.

Outro dia deixei cair três panos de chão, mas a moça do 201 pegou pra ela. Nem fiz questão..  deixei de brinde.

Nana.