domingo, 10 de novembro de 2019

Série Uber - Seu Wagner, o sonhador

   Eu estava indo pra uma festa na Feira de São Cristóvão que, vale dizer, fica há léguas da minha casa. Um calor, uma preguiça, um espírito de riqueza que me bate sempre nesses momentos me cegando completamente e me convencendo de "dane-se, pede um Uber". Pedi.

   Saí de casa já pingando de suor, com um baita mau humor, querendo voltar. Um Uber cancelou e eu já pensei "é um sinal", mas o segundo aceitou e estava já na minha rua, quase na minha porta. O carro bem humilde, um motorista com seus, talvez, 60 e pouquinhos anos que perguntou se eu queria que ligasse o ar, com a cidade aos seus 50°.

- Por favor, seu Wagner, to suando feito um porco!

- Porco não sua, minha filha.. eu sei porque já tive porco.

   E pronto, começamos aqui nosso texto.

   Seu Wagner era meu vizinho. Estava saindo de casa pra trabalhar de Uber naquele momento quando minha corrida apitou. Já havia sido casado e "não deu certo, minha filha". Morava com a esposa em Nova Iguaçu, separou e foi morar com a mãe na Taquara. Depois conheceu uma outra moça que sentenciou "com a sua mãe eu não moro. Quero morar na Zona Sul; é meu sonho"

- Exigente ela, né Seu Wagner?!

- Muito, minha filha. Você nem imagina. Mas, já que ela queria ser chique, fomos morar na Rocinha. Aquilo lá é uma cidade dentro de outra cidade!

- Sim, a Rocinha é muito grande!

- E caro de se viver. Eu morava numa quitinete só pra ela poder dizer que morava num lugar nobre. Pra ela a Rocinha era chique, ela não passava a vergonha de dizer que morava na Baixada pros parentes, mas eu vivia apertado. Montei um bar que não deu certo, uma confusão!

- E hoje você não mora mais lá. Ela mora na Taquara com você?

- Claro que não! Como eu não podia mais arcar com as despesas e nem ela sozinha, voltou a morar com a mãe na Baixada. Preferiu voltar pra casa da mãe do que tentar a vida comigo em outro lugar. Era a Zona Sul ou nada.

Ficou aquele silêncio que  fala muito, sabe? Aquele silêncio que grita. Que chega a arder os olhos...

- Então eu voltei a morar com a minha mãe, mas ela foi envelhecendo e meu pai partiu. O sonho dela era morar na Região dos Lagos, e assim ela o fez. Aí eu me desdobro entre lá e cá pra cuidar da casa dela aqui e dela lá. Tenho que ficar de olho se ela está indo no médico direitinho, ligo pras vizinhas pra vigiarem ela pra mim. Quando ela tem médico vou lá pra levar...

- Nossa, difícil né? Porque é longe

- Muito! Mas Deus ajuda...é o que ela sempre quis.

- Seu Wagner, e qual é o SEU sonho? - Perguntei pro homem que, até então, só tinha se preocupado em realizar o sonho de outras pessoas.

- MEU SONHO? - um grito seguido de, mais uma vez, aquele silêncio que geme - Meu sonho era ser piloto de helicóptero!

- Pois saiba que eu trabalho com aviação, numa empresa de offshore! O Sr. pode ser piloto, é só querer!

- Eu já tenho o PP (a licença para exercer a atividade de Piloto Privado), mas acabei desfocando do meu objetivo por causa de outras coisas, sabe? Hoje tô velho, não tenho mais tempo. Até tenho amigos pra me ajudar com as horas de voo, mas já to no fim da linha. Meu olho enche d'água só de falar dos helicópteros.

E encheu mesmo. Os olhos dele e os meus.

Cheguei ao meu destino. Já não suava mais, mas a vontade de chorar estava latente. Eu queria poder dizer um monte de coisa, mas tudo que saiu foi:

- Seu Wagner, o Senhor ainda está vivo! E enquanto tem vida, tem esperança. Realiza seu sonho porque o Senhor pode ser o que quiser! Não deixa passar mais tempo! Agora é a sua vez de ser feliz com o que o Sr. quer fazer. Por você e pra você. Corre e vai ser piloto!! Uma boa tarde, uma boa vida pro Sr.

Saí do carro, dei cinco estrelas pra ele, mas o que queria mesmo era lhe dar esperança, era dar pra ele a certeza de que ele ainda podia ser feliz realizando o que ele sempre sonhou pra si.

Hoje, escrevendo essa história estou repetindo as mesmas palavras que falei pra ele, mas pra mim. Pra você, meu leitor, e pra mim.

Nana.