quarta-feira, 28 de agosto de 2019

Cravejado?

Eu estava muito triste.
Num desses dias que a gente olha pra si e pensa: eu realmente to muito triste.

Cumpri com minhas obrigações diárias. Trabalhei, sorri, vivi.

No fim do dia eu quis me presentear. Quis me dar alguma coisa que me custasse; que me mostrasse o quão importante eu sou pra eu mesma; entende? Pra mim faz todo sentido.
Entrei numa loja de jóias. Um anel? Um anel. Pra me provar o quão valiosa eu sou e o quanto eu mereço coisas que custam. Dinheiro, vontade, sacrifício. Custam. Eu custo.

- O que deseja, Senhora?
- Um anel. De ouro, com pedras. Um anel delicado, mas com pedras.
- Um solitário?

Óbvio que não! Se tem uma coisa que uma pessoa que se presenteia não quer é lembrar-se de sua solidão. Oras...

- Não, solitário não. Não quero uma pedra, quero muitas pedras. Porém delicado, não esquece.
- Qual o tamanho do seu dedo?

Qualquer tamanho, sabe? Um que caiba. Um que não escorregue, um que não exite, um que não queira ir embora. Meu número é o número de quem quer ficar, de quem não quer arrumar desculpas pra sair. Um sabão escorregadio, uma louça mal lavada. uma noite agitada. Nada disso pode ser motivo, porque quem quer caber, cabe, fica. Meu número é o que cabe!

- 13 ou 14.

- Senhora, temos esses modelos. Veja se é do seu agrado.

Todos eram. Nenhum cabia. Quer dizer, um meio que cabia.. ficava ali na dúvida se ia ou se ficava, mas não ia embora com facilidade. Apesar de também não ter certeza da permanência.

- ´É lindo, e tem muitas pedras! Essas pedras não vão cair?
- Não, senhora. É um anel cravejado.
- E não saem? Eu não vou tirar ele pra nada. Pra lavar louça, pra dormir, pra tomar banho, pra conhecer pessoas, pra sair com meus amigos, pra ir ali beber uma cerveja, ver um filme, uma peça de teatro...
- Senhora, são cravejados, e temos garantia.

Garantia...hahahahaha... que irônico não, Joanna?

- Não quero saber da garantia. Sempre caem quando termina o prazo. Sempre me machuco achando que ainda dá tempo de recorrer, e nunca dá, sabe? Eu vou levar esse.

- Vai levar no dedo?
- Claro que não, embrulha pra presente!

E, como num ritual, eu sai dali levando meu anel de ouro, cravejado, tamanho 14, com garantia. Garantia de nunca me deixar, de nunca perder as pedras, de brilhar e brilhar. E brilhar. E brilhar.